30/04/24 - 16:52 | Atualizado em 30/04/24 - 16:52
O padre cubano desafia o regime comunista de Cuba ao expressar livremente suas convicções religiosas, defendendo a liberdade de culto em meio às restrições políticas. Suas críticas ao regime e sua atuação nas redes sociais expõem a precariedade da situação em Cuba, enquanto enfrenta pressões e ameaças. Sua coragem em defender os direitos do povo cubano destaca-se em meio às tensões políticas.
Na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, um templo histórico com mais de um século de existência em Havana, Cuba, o padre Léster Zayas não se restringe a simplesmente recitar passagens bíblicas durante suas prédicas.
Em vez disso, opta por abordar temas terrenos e cotidianos, enraizados nas realidades do povo cubano. Em uma entrevista à BBC News Mundo, ele ressalta: “Eu poderia sempre falar do céu e esquecer as coisas terrenas, mas o Evangelho e Jesus Cristo nos levam diretamente à Terra, para entrar em contato com as pessoas”.
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Tal contato com a realidade cubana implica enfrentar as adversidades do país, imerso em uma crise econômica prolongada, caracterizada pela escassez de alimentos, migração em massa e deficiências no fornecimento de energia.
Esses desafios, frequentemente atribuídos pelo regime cubano às sanções dos Estados Unidos, são temas recorrentes nas pregações do padre Léster. “É impossível ser sacerdote em Cuba sem dizer o que acontece aqui, mas é claro que isso traz muitos conflitos”, reconhece ele.
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Desde a Revolução Comunista Cubana de 1959, que conduziu Fidel Castro ao poder, a relação entre o Estado e a Igreja Católica tem passado por transformações significativas. O que outrora era marcado por hostilidade, evoluiu gradualmente para uma coexistência mais harmoniosa, embora não isenta de tensões.
O reconhecimento formal da liberdade religiosa na Constituição de 2019 contrasta com a vigilância rigorosa das práticas religiosas pelo Estado, bem como com as restrições ao acesso à educação e aos meios de comunicação por parte das congregações.
Padre lamenta veto às procissões, destacando as tensões entre igreja e regime
As restrições à liberdade religiosa em Cuba refletem a complexa relação entre igreja e Estado, evidenciada pelas tensões durante a Semana Santa.
Recentemente, durante a Semana Santa, as tensões entre a igreja e o Estado ficaram evidentes mais uma vez. Enquanto foram autorizadas 111 procissões em todo o país, pelo menos duas foram proibidas, incluindo a realizada na paróquia do padre Léster, em Vedado, pelo segundo ano consecutivo.
O padre lamenta o veto, considerando-o “absurdo”, argumentando que as procissões não são uma imposição pessoal, mas sim uma expressão da vontade popular.
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Nesse contexto, as restrições à liberdade religiosa continuam a ser motivo de debate e tensão em Cuba, refletindo as complexidades da relação entre a igreja e o Estado. O desafio do padre Léster em enfrentar essas questões em suas pregações exemplifica a intersecção entre a esfera religiosa e as realidades sociopolíticas do país caribenho.
Regime cubano não responde à solicitação da BBC sobre as homilias do padre
Cuba enfrenta a pior crise econômica desde os anos 90, devido à queda do turismo, conforme relatado pelo padre em suas homilias.
A solicitação da BBC por um posicionamento do regime cubano permanece sem resposta até o momento desta publicação. No entanto, o que exatamente o padre comunica em suas homilias que possa ter incomodado as autoridades cubanas?
Em suas próprias palavras, ele declara: “O que digo nas homilias é que aqui não é possível ver a realidade e aceitar o sofrimento das pessoas como normal”. O contexto em que Cuba se encontra é descrito pelo padre como um país que enfrenta uma crise profunda. “Cuba está morrendo”, expressa ele, evitando fazer referências diretas a figuras políticas.
Esta crise econômica atual é considerada a mais severa desde o “Período Especial em Tempos de Paz” da década de 1990, um período marcado por uma miséria extrema após a dissolução da União Soviética e o colapso dos regimes socialistas no leste europeu.
A economia cubana, profundamente enraizada em um modelo estatista e centralizado, tem enfrentado desafios crescentes, exacerbados pela pandemia. A queda no turismo, as reformas econômicas com resultados aquém do esperado e o endurecimento das sanções dos Estados Unidos contribuíram para agravar a situação.
Padre atua como intermediário entre a comunidade e as dificuldades
Diante da crise, o padre Léster compartilha relatos de escassez alimentar, desamparo dos idosos e falta de medicamentos.
Os impactos dessa crise são amplamente perceptíveis na vida cotidiana dos cubanos. Cortes frequentes de energia, escassez generalizada de alimentos, medicamentos e combustíveis, além do aumento significativo do êxodo populacional, são sintomas evidentes do panorama atual.
Mais de meio milhão de cubanos, aproximadamente 5% da população, emigraram para os Estados Unidos, Espanha e outros países nos últimos dois anos e meio, buscando melhores condições de vida.
Frente a esse cenário desafiador, o padre Léster Zayas assume o papel de intermediário entre a comunidade paroquial e as demandas urgentes do povo. Em suas palavras, ele compartilha os relatos que ouve:
“Dizem-me que não têm o que comer; que os seus filhos vão para a escola sem quase tomar o café da manhã porque não há pão; que muitos idosos ficaram sozinhos e vivem desamparados devido à catástrofe migratória; que as pessoas não têm futuro e todas aguardam um visto para sair do país; que os doentes não têm medicamentos embora, segundo o discurso oficial, sejamos uma potência médica; que haja cada vez mais homens e mulheres vivendo nas ruas”.
Nesse contexto complexo e desafiador, o papel da igreja e de líderes religiosos como o padre Léster adquire uma importância significativa, proporcionando apoio espiritual e buscando, dentro de suas possibilidades, aliviar o sofrimento e as dificuldades enfrentadas pela população cubana.
Relação entre o padre Léster e o regime cubano é marcada por tensões crescentes
Após enfrentar pressões e intimidações, o padre Léster mantém-se firme em sua missão de representar as demandas do povo cubano.
A relação entre o padre Léster e o regime cubano nos últimos anos tem sido marcada por tensões crescentes, refletindo um distanciamento gradual das autoridades. Na entrevista, ele compartilha que, por muito tempo, manteve um relacionamento cordial com as autoridades, mas aproximadamente quatro anos atrás, essa interação direta deu lugar a uma comunicação exclusivamente através de seus superiores hierárquicos.
O primeiro conflito mais direto ocorreu antes da pandemia, quando ele criticou os atos de repúdio, descrevendo-os como reminiscentes de períodos sombrios da história, comparando-os até mesmo com eventos da Alemanha nazista.
Desde então, o padre afirma ter sido alvo de pressões, recebendo mensagens por meio de seus superiores, ordenando que se cale, seja punido ou até mesmo deixe o país. Apesar das intimidações, ele ressalta seu conhecimento das leis e constituição do país, mantendo-se firme em sua missão de ser porta-voz das demandas e angústias de seu povo.
Padre cubano utiliza as redes sociais para denunciar injustiças e expor a situação
O padre Léster demonstra preocupação em ser fiel à verdade e solidário ao sofrimento de seu povo, mesmo enfrentando possíveis retaliações.
As críticas e denúncias do padre Léster não se limitam ao ambiente físico de sua paróquia; ele também utiliza ativamente as redes sociais para expor a situação precária de Cuba, denunciar injustiças e responsabilizar os líderes políticos e o sistema vigente na ilha.
Em suas próprias palavras, ele compartilha: “Se há algo que considero que deva ser sabido porque é um ataque à verdade ou aos direitos, e acredito que a fonte é verdadeira, então compartilho”.
Indagado sobre o medo de retaliações, o padre responde com uma convicção firme: “Claro que sim, mas embora tema represálias, tenho ainda mais medo de não ser fiel ao meu povo”. Ele rejeita a ideia de coragem, enfatizando sua preocupação maior em ser leal à verdade e solidário ao sofrimento das pessoas.
Medidas de repressão contra críticos ao regime em Cuba se intensificaram
As divergências entre o padre Léster e o regime cubano destacam as complexidades na relação entre as esferas religiosa e política.
Desde os protestos de julho de 2021, onde cidadãos cubanos clamaram por liberdade e melhores condições de vida, as medidas de repressão do Estado contra críticos ao regime foram intensificadas.
Milhares de pessoas enfrentaram multas, interrogatórios e prisões por expressarem opiniões contrárias ao regime, tanto em público quanto online. Apesar dos desafios e das ameaças percebidas, o padre reconhece o apoio dentro de sua instituição e a proteção relativa que sua posição como padre da Igreja Católica oferece.
Dessa forma, as divergências entre o padre Léster e o regime cubano revelam as complexidades e tensões presentes na relação entre as esferas religiosa e política em Cuba, destacando a coragem e a determinação do padre em defender os direitos e as necessidades de seu povo, mesmo diante de potenciais consequências.
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