02/04/24 - 08:53 | Atualizado em 02/04/24 - 08:53
O governo Lula tem se dedicado à construção de uma argumentação jurídica que sustente a viabilidade da presença do presidente russo, Vladimir Putin, no Brasil durante a cúpula do G20. Esta iniciativa ganha destaque diante do contexto em que Putin é alvo de um mandado internacional de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), relacionado a acusações de crimes de guerra no conflito com a Ucrânia.
O embasamento para tal posicionamento foi formalizado em um documento submetido à Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) em novembro do ano anterior. Esse órgão encontra-se em processo de elaboração de uma normativa concernente à imunidade de jurisdição concedida aos chefes de Estado, garantindo-lhes proteção contra processos ou ações judiciais nos países que visitam em caráter oficial.
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Embora o texto não mencione diretamente Putin, é claro que a argumentação se aplica ao cenário que envolve o presidente russo. Sob os termos do Estatuto de Roma, o Brasil, como signatário, estaria teoricamente obrigado a cumprir um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). No entanto, a detenção de Putin em solo brasileiro é vista como uma situação de grande complexidade, dada as implicações geopolíticas e de segurança que tal ação acarretaria.
Documento destaca que acordos devem reger apenas partes signatárias
O argumento central ressalta que os tratados internacionais não afetariam a imunidade de agentes de Estados não signatários.
Um aspecto relevante ressaltado no documento é a premissa de que os acordos que estabelecem tribunais internacionais, como o Estatuto de Roma, devem reger apenas as partes signatárias. Nessa perspectiva, um chefe de Estado de um país não signatário não poderia ter sua imunidade violada mesmo em território de uma nação que reconheça a autoridade do tribunal internacional. A Rússia, como mencionado, retirou sua assinatura do Estatuto de Roma em 2016.
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Um trecho do parecer afirma que “um tratado não confere direitos ou obrigações a um terceiro Estado sem o seu consentimento”, destacando a importância do consentimento das partes envolvidas. Esse argumento sustenta a ideia de que os tratados internacionais não afetariam a imunidade de agentes de Estados não signatários.
Governo Lula defende imunidade de jurisdição para dirigentes
Especialistas destacam complexidade na possível presença de Putin no Brasil durante o G20, considerando embasamento jurídico e implicações.
O Brasil defende a imunidade de jurisdição para os dirigentes como um instrumento essencial “para promover entendimentos pacíficos de disputas internacionais e relações amigáveis entre os Estados”. Essa posição reflete uma crítica já manifestada por representantes de países em desenvolvimento em relação ao mandado do TPI contra Putin, sugerindo que a corte está sendo politicamente influenciada.
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Diante desse contexto, a presença de Putin no Brasil durante a cúpula do G20 poderia criar um impasse diplomático, uma vez que o país estaria desafiando, de certa forma, as normativas internacionais representadas pelo TPI. No entanto, a análise de especialistas aponta para uma complexidade maior nessa questão.
André de Carvalho Ramos, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), observa que o embasamento apresentado pelo Brasil encontra respaldo em um dispositivo específico do Estatuto de Roma, que sugere a não aplicação de uma solicitação do TPI caso o Estado requerido seja compelido a agir de forma contrária ao direito internacional.
Ramos destaca precedentes que questionam a interpretação de imunidade
Ministério das Relações Exteriores opta por não comentar sobre parecer da ONU relacionado à possível visita de Putin ao Brasil.
Ramos ressalta que já existem precedentes que questionam essa interpretação. “O TPI decidiu que a Jordânia violou o Estatuto de Roma ao não prender em 2017 o então presidente do Sudão Omar al-Bashir durante sua visita ao país”, destaca. “Posteriormente, a Jordânia apelou e, em 2019, o TPI decidiu que a norma consuetudinária [invocada pelo Brasil] se aplica apenas a tribunais nacionais, não existindo norma consuetudinária de imunização em face de tribunais internacionais, como o TPI.”
Em relação ao posicionamento do Ministério das Relações Exteriores sobre o parecer apresentado na ONU e sua relação com a possível visita de Putin ao Brasil, o ministério optou por não comentar. No entanto, a discussão em torno desse tema ainda está em estágio inicial e sujeita a extensas negociações na Comissão de Direito Internacional.
Academia Brasileira de Direito Internacional critica abordagem brasileira
O professor Arno Dal Ri Jr., especialista em Teoria e História do Direito Internacional, considera a argumentação uma ‘cortina de fumaça’.
O presidente da Academia Brasileira de Direito Internacional, Wagner Menezes, expressa preocupação com a abordagem do Brasil, afirmando que ela “relativiza” os princípios do Estatuto de Roma. Segundo ele, a argumentação vai contra os objetivos do TPI de conter acusados de crimes de guerra.
Em contrapartida, o professor Arno Dal Ri Jr., especialista em Teoria e História do Direito Internacional, classifica a redação submetida à ONU como uma “cortina de fumaça” e alega fragilidade na argumentação. Ele destaca que o documento levanta cenários hipotéticos, incluindo a legitimação da visita de Putin com base na imunidade de chefes de Estado.
Advogado afirma que a abordagem brasileira não prejudica o Estatuto de Roma
A possível participação de Putin no G20 é delicada devido à sua controversa ação na Ucrânia.
O advogado e doutor em Direito, Marcelo Peregrino Ferreira, tem uma perspectiva diferente, alegando que a investida do Brasil não visa prejudicar o Estatuto de Roma ou outras cortes internacionais. Ele argumenta que a proposta brasileira não favorece o caso russo.
A possível presença de Putin na cúpula do G20 é tema sensível, considerando sua recente controvérsia após a invasão da Ucrânia em 2022. A declaração de Lula em setembro de 2023, garantindo que Putin não seria preso no Brasil, gerou debate sobre o papel do governo em questões de jurisdição internacional.
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